Pedalando rumo à Nova Agenda Urbana

Em Outubro de 2016 estive presente em momento marcante para as cidades do mundo. Se trata da Habitat III, uma conferência das Nações Unidas que só acontece de 20 em 20 anos para discutir para onde devem ir nossas cidades, baseado em um desenvolvimento sustentável. Representei o Bike Anjo por lá e gostaria de trazer aqui um relato das principais impressões e resultados da conferência.

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O foco do relato é no tema de mobilidade por bicicleta esteve forte, mas minha avaliação foi que a principal deficiência da Habitat III foi a ausência de políticas integradas extremamente necessárias, como a solução “transporte + desenvolvimento territorial = mobilidade”, ou questões de gênero e minorias para efetivar o tal “Direito à Cidade para todos” que foi ponto chave do documento final da Conferência.

Confira…

Como é pedalar em Quito?

A cidade tem ciclovias pontuais e desconectadas e a estrutura das vias são saturadas. De toda forma, o motorista não chega a ser agressivo, apenas desacostumado com o/a ciclista em várias situações (ex: não olhar no retrovisor nas conversões a direita).
Por ser uma cidade linear entre morros (em um vale), o congestionamento é bem pesado, contando com cerca de 4 avenidas principais como eixo de conexão Norte e Sul e onde são as únicas partes planas. Isso torna muito difícil fazer caminhos alternativos para bicicleta por dentro de bairros. O caminho é de fato redesenhar essas vias principais.
Por conta da má qualidade do diesel e também dos morros, a qualidade do ar é péssima. Juntando a altitude de 2.800 metros da cidade, é realmente muito cansativo pedalar nas principais vias.
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Imagem: Paisagens das montanhas de Quito

 

ciclopaseo é fantástico, uma ciclofaixa de lazer que fecha todo um lado de algumas avenidas da cidade em um percurso de cerca de 30 km e que atravessa de Norte e Sul. Domingo é um dia bem especial para pedalar! No fluxo do dia a dia, os ciclistas pedalam bastante nos corredores de BRT (ônibus rápidos), uma vez que não há congestionamento e baixa frequência de ônibus. Há um sistema de bicicletas públicas na cidade de forma manual e gratuito que funciona apenas até às 18h30 e o processo de registro é um bocado burocrático, mas tem uso. Recentemente colocaram bicicletas elétricas também. Uma licitação está acontecendo neste momento para um novo bike sharing automatizado.
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Imagem: Sistema de bike sharing manual de Quito

 

Várias ciclofaixas apareceram pela cidade para a Habitat III que, embora teve problemas de uso durante o evento, faz parte de um planejamento de 58 km de infraestrutura cicloviária e devem ser continuadas após a conferência.

Considerei Quito pouco verticalizada, o que foi agradável para ver incríveis paisagens em trajetos no meio da cidade.
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Imagem: Novas ciclofaixas finalizadas no 1o dia da Habitat III

 

Temas que chamaram a atenção na Habitat III

 

 – Tecnologia e Coleta de dados: vários exemplos, inclusive uma atividade nossa, demonstraram a relevância de coleta de dados de forma colaborativa, com uso de tecnologia/Apps. Relevante também termos sistemas nacionais de coleta de dados de transporte.
– Participação popular: várias formas e metodologias para além de consultas/audiências públicas foram apresentadas. Uso da tecnologia pareceu forte para isso. Precisamos renovar/inovar nisso!
– Mulher e gênero: embora barrado de várias formas no documento final, tiveram estudos fantásticos de percepção da mobilidade por mulheres diferente de homens, em especial no tema da bicicleta e um livro ótimo no Equador sobre “Mujeres en Bici“.
– Segurança viária: foi mencionado exaustivamente como nunca antes, além de estar presente no documento final da conferência (ver mais abaixo). E um dos pontos chaves para a segurança viária foi a promoção da bicicleta e de criação do seu espaço.
– Saúde pública: foi fortíssimo o link da saúde preventiva nas cidades, proporcionando espaços públicos e lazer, e seus resultados indiretos, como redução da poluição, entre outros.
– Cidades compactas: sim, esteve presente, mas a meu ver apenas pelo espectro da verticalização ou modernização da cidade, e não medidas simples como reocupação de moradias nos centros (em sua maioria vazios a noite), descentralização de empregos, promoção de distâncias curtas casa-trabalho. Ou seja, realmente pensar no planejamento do uso e ocupação do solo.
– Mobility as a service (MAAS): entrou em alguns debates como integramos todas as soluções de mobilidade em um lugar só, como um App. Principalmente buscando promover uma real integração intermodal de forma fácil e ágil.
– Papel da empresa: comparado com as COPs (Conferências do Clima da ONU) as empresas estiveram ausentes, exceto as que são do setor. Demonstrou que ainda falta um entendimento de como as empresas podem colaborar/se co-responsabilizar por cidades sustentáveis, uma vez que a principal demanda da mobilidade nas cidades é o trabalho.
– Pedestres e Ciclistas Latino americanos juntos: se fortaleceu muito a união de associações de pedestres e ciclistas nessa conferência, em especial em um evento promovido pela rede local de mulheres ciclistas “Carishinas en Bici” para compartilhar experiências locais na América Latina.
– Smart cities: as “cidades inteligentes” foram criticadas de várias formas, embora tiveram vários eventos sobre, com citações fortes como:
– “Cidadãos inteligentes em vez de cidades inteligentes”
– “Wise cities em vez de smart cities”
– “Precisamos humanizar as cidades, e não digitalizá-las”
– “Tecnologia deve ser uma ferramenta para alcançar cidades para pessoas, e não o fim em si para cidades inteligentes”

 

Projetos interessantes para bicicleta

 

– Transformação temporária de espaços públicos: o Habitat III Village proporcionou atividades como o “De Não Lugar para O Lugar“, que transformou uma faixa de uma rua principal em espaço de convívio. A iniciativa era para ser temporária, mas a adesão dos comércios fez com que o espaço continuasse lá após a Habitat III. Testar e experimentar com espaços temporários é uma ótima forma de convencermos oposições a projetos.

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Imagem: Transformação do espaço “O Lugar”

– Lançamento do TUMI – Transformative Urban Mobility Initiative: o governo Alemão lançou esse programa com 1,8 Bi Euros para promover a mobilidade urbana. Brasil está no meio.

– BiciAcción – Integração bicicleta e metrô: a ONG local Biciacción fez um estudo para a prefeitura sobre como integrar a bicicleta com o metrô que estão construindo.

– BiciAcción – Vídeo institucional com drone: eles fizeram ESTE VÍDEO sensacional com crianças desenhando uma bicicleta em uma praça, filmado com um drone.

– BiciAcción – Simulador de Ciclismo Urbano: eles criaram um Simulador (veja vídeo AQUI) para que as pessoas pedalem pela cidade virtualmente (em uma bicicleta estática) e saibam quais são os pontos de atenção para tomar cuidado. É uma ferramenta de educação para pedalar no trânsito bem interessante.

– App Urbamapp.com: aplicativo que usamos em uma oficina para mapear problemas na rua.

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Imagem: Resultados da coleta de dados na oficina “Bicivilizate”, realizada pelo Bike Anjo, BiciAcción e ECF

– Livro “Mujeres en Bici (mencionado acima).

– BYPAD.latmetodologia participativa de Assessoria do Planejamento para Bicicleta. Fui acreditado na Áustria por essa metodologia e em Quito lançamos a rede Latino Americana dessa metodologia.

O Brasil na Habitat III

Embora o Brasil não teve um Stand oficial, a Delegação Brasileira estava em peso e muito bem integrada.  Vários diálogos foram promovidos, em especial pela WRI Brasil. Em conversas com estrangeiros, muitos elogiaram a forma da Política Nacional de Mobilidade Urbana e os Planos de Mobilidade Urbana no Brasil (e como estamos fazendo a campanha “Bicicleta nos Planos” para colaborar nisso). Além de sermos um dos poucos países que tem um Ministério das Cidades.

Falando em Ministério das Cidades, pude conhecer gente muito boa lá querendo fazer. Agora precisamos dar suporte de todas as formas possíveis para emplacar políticas que tem um grande peso, como a de Mobilidade Urbana!
Os governos locais, considerando o período de eleições, estava em peso, principalmente pela delegação da ONG WRI Brasil, e isso foi muito positivo para podermos gerar diálogos produtivos e propositivos.

 

E o que apareceu no documento final da Habitat III – a Nova Agenda Urbana – para a bicicleta?

A bicicleta está presente na Nova Agenda Urbana e foi assinada pelos governos membros da ONU. O documento é um ótimo instrumento político! Devemos usá-lo de várias formas, em especial nos seguintes pontos:
– Política da bicicleta está presente não apenas como meio de transporte e isso é fundamental (como a seguir).
– A bicicleta está conectada com saúde, mostrando a importância para medidas preventivas de saúde pública. Além do mais, saúde entrou na NAU como instrumento de desenvolvimento urbano sustentável.
– Ciclovias/faixas/rotas foram consideradas espaços públicos, em vez de “apenas” áreas verdes e praças, demonstrando que espaço para bicicleta significa a democratização dos espaços normalmente privatizados.
– Segurança viária deixou de ser segurança de quem está na via (ex: pedestre atravessando a faixa), mas de ativamente proteger E PROMOVER (fortíssimo essas duas palavras entrarem juntas!) os mais vulneráveis.
(Para quem arriscar no inglês, AQUI tem um artigo mais completo sobre esses pontos em que colaborei)

 

Vamos lá continuar pedalando rumo a cidades mais sustentáveis, usando a bicicleta como ferramenta para isso! 🙂

 

 

 

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