Uma série especial com histórias de quem vive e ama a bicicleta
Por Darlene Dalto
Ventinho no rosto, aquela sensação deliciosa de liberdade e um certo cansaço, mas um cansaço gostoso no final da pedalada.
Quem curte bike sabe bem do que estou falando.
E é para inspirar, para fazer com que mais e mais pessoas comecem a usar a bike no seu dia a dia ou ao menos nos fins de semanas que nasce esse espaço aqui no Pro Coletivo e no Bike Anjo. Nos dois ao mesmo tempo!
Mas antes de começar de verdade, acho que vale a pena contar sobre como surgiu essa ideia. Sou jornalista aqui em São Paulo, daquelas ainda completamente apaixonadas pela profissão, interessada em muitos assuntos. Como ano passado um dos assuntos mais importantes no mundo foi sustentabilidade (iniciativa da jovem ativista ambiental sueca Greta Thunberg) e sustentabilidade me interessa muito, acabei escrevendo um livro (adoro escrever livros!) chamado Livro Verde. Ele é um guia, um manual com mais de 300 sugestões práticas para que qualquer pessoa – repito, qualquer pessoa – comece hoje mesmo a contribuir para melhorar efetivamente a qualidade de vida no planeta. E há uma série de depoimentos assinados por ativistas verdes como o ator Mateus Solano, o mega surfista Carlos Burle, a jornalista fashion Lilian Pacce, a modelo Luciana Curtis, a chef Tati Lund e tantos outros. É bem bacana.
Sabendo disso, minha amiga querida Chantal Brissac, aqui do Pro Coletivo, me convidou para escrever alguns textos para cá. Eu adorei a ideia. Mas escrever sobre o que exatamente? E as bikes surgiram rapidamente. O tema logo se impôs.
A ideia aqui é trazer depoimentos de gente de todos os cantos do Brasil contando sobre suas experiências pedalando. Foi aí que surgiu o Bike Anjo, que se propõe a ajudar de várias formas quem quer aprender a pedalar e também quem não anda de bike há tempos e pretende voltar a usar a magrela. Em quase 800 cidades de 37 países. Por enquanto. Não é o máximo?! Chantal conhecia bem o pessoal e me apresentou à Marina Castilho, que estava deixando o seu trabalho ali. Mas logo chegou a Taíssa Furtado. Elas não só compraram a ideia como a ampliaram – por isso os textos do Vida de Bike serão publicados nas duas plataformas ao mesmo tempo: no Pro Coletivo e no Bike Anjo.
Basicamente é isso. O que vai acontecer depois? Já disseram que o caminho se faz ao caminhar e eu acredito nisso. No meu mundo ideal, a maioria das pessoas se locomoveria na maior do tempo de bike. Óbvio. Andar de bike não polui, é silencioso, saudável, aproxima as pessoas, provoca amizades. É quase poesia. Não entendo por que no Brasil o poder público não percebe de uma vez, não incentiva fortemente o uso das bicicletas, como tantas cidades já fizeram e têm feito: Nova York, Paris, Amsterdam, Copenhague e Madri, entre outras. Sim, é um sonho, eu sei. Mas, por que não sonhar?
Segue, portanto, a primeira história da nossa nova seção semanal, Vida de Bike! Boa leitura!
A VITÓRIA DE HELENICE
Por Darlene Dalto
Todos os clichês que envolvem a delícia que é pedalar uma bike fazem sentido para Helenice Maria da Silva, alagoana de Mata Grande, criada em São Paulo há exatos 56 anos. Liberdade. Independência. Interação com a natureza. Meio de transporte sustentável. Uma verdadeira paixão. Mas, inexplicavelmente, só se entregou a essa paixão perto dos 50 anos. E para sempre, garante ela, que, embora more sozinha desde os 18 anos, a vida toda dependeu dos outros para ir ao cinema, ao teatro, para qualquer tipo de passeio. Hoje não mais.
Aos 49 anos do primeiro tempo de sua vida ela pegou aquela lista de sonhos, de metas que a terapeuta havia pedido para fazer. A maioria dos itens já tinha passado para a coluna das conquistas. Não a bicicleta. Chegou a hora, pensou. No Natal daquele ano Helenice finalmente comprou sua primeira bike: Brigite Bardot ela se chama, uma Caloi lilás e cinza com cestinha e tudo, escolhida a dedo com a ajuda de um amigo que indicou o site da marca. Ela queria saber todas as especificações e não correr risco de comprar a bike errada, inadequada. Quando aquele pacote enorme chegou, pediu ajuda para um casal de amigos para a montagem. E para ter certeza de que cada peça estava no seu devido lugar, empurrou a bike tinindo de nova até a oficina do bairro. Super cuidadosa, não queria fazer nada errado.
Acreditem: a bicicleta montada ficou estacionada no quarto durante dias! Do nada surgiu um medo imenso, uma insegurança. E ela não sabia se sabia ou não andar. Helenice tinha um tio que morava na zona Sul e ia todos os dias para a zona Norte. Mas não tinha lembrança de alguém lhe ensinando na infância, correndo ao seu lado e gritando para incentivar. No quintal de sua casa, tentando andar, se equilibrava mal. Bambeava.
Começou então a procurar na internet quem pudesse lhe ensinar a andar direito e descobriu um grupo que cobrava 100 reais por hora. Do jeito que se considera lenta, imaginou que gastaria uma fortuna. Fora de cogitação. Continuou procurando, descobriu o Bike Anjo, que ensina tudo gratuitamente, e se inscreveu no site. Uma alegria. Demorou para chegar o dia, ficou ansiosa. Mas na primeira aula descobriu que sabia andar. Tinha aprendido sozinha. Ela só não tinha a prática e muito menos sabia como se mover entre o tráfico da cidade. Aprendeu tudo com eles, a paciência em forma de pessoas, seus anjos. Levou até sua mãe de 70 anos para aprender. E ela aprendeu.
Uma de suas maiores conquistas, Helenice lembra bem, foi quando conseguiu ir de sua casa até a rua Vergueiro, onde fazia um curso de massoterapia. Foi acompanhada por um bike anjo e voltou sozinha. Computados o medo da bike, do trânsito, o longo trajeto, mais de 10 quilômetros, e todas as inseguranças que sentia, a emoção foi gigantesca. Tanta emoção que em pleno meio-dia de um dia ensolarado, ela deu um grito bem alto sem a menor vergonha. Foi uma vitória! Não demorou, vieram os passeios à noite, as viagens – ela foi para Aparecida do Norte pedalando a partir de São Paulo, e Embu das Artes, um dos seus lugares favoritos, entre tantos.
Como forma de retribuir, Helenice decidiu levar o projeto para o seu bairro, perto do Jabaquara, de São Paulo. Ela recebia entre 20 e 30 novos alunos todos os meses. Uma alegria multiplicada sempre que conseguia ensinar, especialmente alguém com mais experiência de vida, como ela. Ela mesma, afinal, era um ótimo exemplo.
Antes da pandemia, Helenice fazia rigorosamente tudo com a bike: compras, mercado, atendia seus clientes a domicílio – ela é podóloga. Eram pelo menos 20, 30 quilômetros por dia dependendo do seu roteiro. Hoje está pedalando menos, mas logo que a vida voltar ao normal – seja lá que normal for –, certamente vai retomar o seu pedal diário. Ela e Brigite, amigas inseparáveis.
Vida de Bike é uma parceria do ProColetivo e Bike Anjo.