#05 Vida de Bike

Ela vai de bike e salto alto!

Por Darlene Dalto

O insta e o site que ela tem se chama vou_ de_bike_e_salto_alto. E o face também. Pode nome mais charmoso? Juntando as duas redes sociais, a professora, geógrafa e historiadora paranaense Viviane Ferreira Mendonça, de 42 anos, tem 100 mil seguidores, seguidoras a maioria. É praticamente uma Penélope Charmosa sobre duas rodas. Hoje Vivi mora em Curitiba, mas ela nasceu em Lunardelli, cidade com cinco mil habitantes a cerca de 400 quilômetros da capital, morava em um sítio em Vila Primavera, lugarejo sem asfalto perto de Lunardelli. Aos 10 anos ela insistiu para seu pai José Carlos comprar a Monark verde escura com rodinhas que o vizinho estava vendendo porque ia se mudar. Não queria mais ter que pedir para dar uma voltinha nas bicicletas dos amiguinhos. Insistiu tanto que conseguiu, depois de prometer que a dividiria com sua irmã Elaine, três anos mais nova. Duas molecas, viviam soltas pelas ruas, pelos rios, subindo em árvores… Sua mãe, Maria, embora não soubesse andar de bike, adorou a ideia. Com a ajuda do pai, logo as rodinhas se foram. Ela ainda consegue ouvir os seus gritos:

 

– Segura no freio, Vivi!

 

– Cuidado com a descida!

 

Aquela Monark mudou sua vida, deu autonomia e liberdade a Vivi, mas enquanto uma cresceu, a outra ficou pequena. Aos 15 anos, pediu para trocar a festa de aniversário por outra bike, mas não uma qualquer: fazia questão de uma Caloi Ceci cor de rosa com cestinha. E ganhou. Nessa época ciclismo não era o seu esporte, ela preferia jogar handball. Aquela magrela era mais uma companhia, com ela Vivi sonhava.

Depois da faculdade de Geografia, que fez em Jandaia do Sul, ao lado de Lunardelli, ela foi para Curitiba, cidade grande. Era 2000. Nessa época, deixou a bicicleta de lado, fumou muito e engordou 25 quilos. Durante cerca de um ano chorou quase todo dia. Aquela cidade, onde não conhecia ninguém, aquele trânsito, os prédios, a falta que sentia da natureza, dos rios, dos animais… Um choque. Ela começou a dar aulas e um de seus alunos, todos muito queridos ano após ano, lhe disse que conhecia um grupo de pessoas que pedalavam nos fins de semana. Logo comprou uma nova bike, uma MTB Gary Fischer, se juntou a esse grupo e voltou a se sentir viva.

 

Os passeios até Morretes, Antonina e Paranaguá, cidades litorâneas e históricas, através da belíssima Serra da Graciosa, lhe devolveram a alegria e esse novo grupo lhe abriu um mundo totalmente novo. Literalmente porque suas viagens atravessaram o Atlântico e, em 2005 mesmo, Vivi e dois amigos – um dos quais, Alex, acabou se tornando seu marido – fizeram o Caminho de Santiago de Compostela. Exatos 890 quilômetros a partir de Saint-Jean-Pied-de-Port, na França, até Compostela, na Espanha. Em outras ocasiões ela e Alex passaram dias pedalando por Berlim, Barcelona, Amsterdã, Lisboa… E sempre voltavam a Lunardelli, para contar os detalhes de cada viagem para os pais e para Junior, o irmão temporão, fã da irmã ciclista.

Mas o Natal sob a neve pesada em Dusseldorf, na Alemanha, em 2011, foi especialíssimo: ela viu crianças e mais crianças seguidas pelas mães, todos bem vestidos, bem agasalhados por causa do frio, quentinhos, indo de bike para a escola. E se encantou com aquelas cenas como poucas vezes na vida. De volta ao Brasil quis fazer o mesmo. Estava convicta. Até então ela usava sua magrela apenas para os passeios, agora queria fazer dela o seu meio de transporte. Ir para a escola e voltar, ao supermercado, à farmácia, ao cabeleireiro, à academia… E mais: não queria ir com as roupas esportivas que usava para pedalar e depois se trocar no vestiário, perderia muito tempo e provavelmente atrapalharia a vida dos seus colegas professores enquanto se trocava, já que o banheiro não era tão grande, não havia um vestiário na escola. Vivi queria andar de bike com as roupas que costumava usar, nessa época, jeans e camiseta e também vestidos e salto alto.

 

Em fevereiro, às vésperas do início do ano escolar, conversou mais uma vez com o marido. Estava decidida a comprar uma nova bike, desta vez um modelo urbano, com o cano rebaixado, e com uma cestinha, aquela cestinha da Caloi Ceci da infância. Acabou comprando uma carioca Blitz, que vinha com retrovisores, campainha, paralamas nas rodas para evitar o barro, correntes protegidas para não sujar a calca, itens de segurança.

 

Bike novinha, ela e Alex fizeram alguns trajetos de casa até a escola, no centro da cidade, uns três quilômetros de distância, para ver qual era o mais seguro, com menos trânsito. No primeiro dia de aula daquele ano, dia ensolarado, ela pensou bem na roupa que iria usar, tirou do armário uma calça comprida, uma blusa bonita e um sapato de salto alto. Foi entre animada e cautelosa. E chegou à escola Colégio Estadual Doutor Xavier da Silva intacta, um sorriso nos olhos.

“Desde então levo a minha vida em cima da bike. Não tenho carro, não aprendi a dirigir. Vou a todos os lugares e tenho uma relação gostosa com a cidade, conheço bem os caminhos, os cantinhos, vejo as árvores e a flores, tenho um contato mais próximo com as pessoas”, ela diz. Seu amor pelo cicloativismo e por seus alunos da sexta série do fundamental e do terceiro ano do ensino médio a levou a criar um projeto comunitário com os estudantes. Conseguiu patrocínio da empresa Metal Parts e, todos juntos, construíram um bicicletário nos fundos da escola. No começo a sua bike era a única. Hoje, digo, antes da pandemia, eram mais 20 magrelas estacionadas ali, de alunos e de professores. Em paralelo, todos os anos ela promove palestras e oficinas de conscientização no trânsito para formar pessoas mais preparadas.

O bicicletário foi construído por Vivi e os alunos na escola em que trabalha, em Curitiba

 

Vivi se arruma cuidadosamente para andar de bike e acabou lançando uma marca própria, com roupas charmosas, femininas e práticas

Isso não quer dizer que não haja perrengues. Motoristas estressados existem em todo lugar. Um dia, muito cedo, às sete da manhã, um carro encostou na bicicleta e ela, educada, reclamou. O motorista nervoso abriu a janela e berrou:

 

– Por que você não vai trabalhar?

 

Ela berrou de volta:

 

– Mas eu estou indo!

 

Ninguém se entendeu ali e cada um seguiu seu caminho.

 

Curioso é que quanto mais ia arrumada de bike para a escola, mais queria se arrumar. Inclusive com acessórios: brincos, colares e pulseiras.  Passou a usar as saias que tanto gosta, com um shortinho por baixo, que ela é precavida. E aquelas saias só combinam bem com salto alto. Roupas, hoje em dia, só compra se tiver certeza de que elas podem ser usadas para pedalar também. Quando chove, usa capas de chuva e toma ainda mais cuidado.

 

Naturalmente Vivi começou a pensar em criar roupas para ciclistas, para mulheres. Lançou a marca Vou de Bike e Salto Alto, claro, no início do ano passado. Criou bermudas e camisetas com cortes e cores femininas. Também criou os macaquinhos, que fazem o maior sucesso, luvas, bandanas e até capacetes. E vende para o mundo.

 

Enquanto a pandemia não passa, Vivi e Alex têm feito trechos mais curtos, próximos a Curitiba, até a colônia alemã Witmarsum, com seus cafés e cervejarias deliciosas, ou até São José dos Pinhais, colônia italiana com seus restaurantes típicos irresistíveis. E planejam voltar a Santiago de Compostela.

 

Ah! Hoje ela já não fuma mais e aqueles 25 quilos, que não eram dela, se foram para sempre. Para mim, só falta um detalhe nessa história toda: Vivi não dá nomes às suas bicicletas. Chama de magrela mesmo. Pois acho que deveria mudar. Para Penélope. Aquela charmosa. Não?

 

Vida de Bike é uma parceria do ProColetivo e Bike Anjo. 

 

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