#15 Vida de Bike

Emoção transformadora

 Zé Mauro em frente à Catedral de Santiago de Compostela
 

José Mauro Bennaton Usier, 56 anos, empresário que mora em Guararema, a 80 km da capital paulista, mudou radicalmente sua vida de dois anos para cá. E tudo por causa da bicicleta.

 

Apesar de ter aprendido a pedalar na infância e usado bastante a bike na adolescência, ele ficou um bom tempo longe do pedal. No início da juventude, comprou uma moto e não via muito interesse na bicicleta. Tinha uma que usava de vez em quando para pequenos trajetos. Entre 1994 e 1999, sem preparo algum, ele chegou a ir pedalando, três vezes, de Guararema a Aparecida do Norte pela Via Dutra para acompanhar os peregrinos que se dirigiam à Basílica.

 

Essa semente, da descoberta e do prazer de pedalar, ficou nele. Mas germinou bem devagar. Só 19 anos depois, no início de 2018, a bicicleta voltou a fazer parte da sua vida. Zé Mauro estava acima do peso e há bastante tempo sem praticar esporte, quando um amigo lhe ofereceu uma bicicleta, pois estava trocando a sua. “Fechei negócio com ele, e em 16 de fevereiro daquele ano iniciei meus pedais”.

 

O que ajudou também foi o fato de que o seu restaurante e café, o Empório Bistrô, no centro da cidade, virou ponto de encontro de ciclistas em Guararema. “Eles começaram a se reunir lá para tomar café e sair para pedalar. Tudo isso foi me incentivando e, algum tempo depois, comprei uma mountain bike melhor e passei a fazer passeios com a turma”.

 
 As amigas que se reúnem no bistrô de Zé Mauro para sair de bicicleta em Guararema
 

Ainda em 2018, ele trocou definitivamente sua scooter pela bike e, para pequenas compras para o seu restaurante, substituiu o carro pela Monark Barra Circular, bicicleta do início dos anos 80 que pertencera ao seu pai, adaptada com uma caixa plástica no bagageiro. “A partir daí emagreci, ganhei disposição, conheci pessoas e venho mantendo uma saúde muito boa, graças à prática do ciclismo. Tenho outro jeito de ver a vida, sem muita ambição financeira e com mais simplicidade”, ele confessa.

 

Até o seu negócio acabou se reinventando por causa da bicicleta. Cada vez mais frequentado por ciclistas, o bistrô de Zé Mauro incorporou uma estrutura extra para apoiar os praticantes que vêm de São Paulo para Guararema nos finais de semana e não têm como lavar suas bicicletas após os passeios. “Assim, se eles quiserem dar um trato na “magrela” antes de ir embora, temos esse serviço aqui”, conta o empresário ciclista, que também organiza pedais, passeios e treinos e está sempre compartilhando suas dicas com quem precisar.

 

Mas o melhor aconteceu no ano passado. Zé Mauro sempre sonhou fazer o Caminho de Santiago de Compostela. “Desde que li “O Alquimista”, do Paulo Coelho, no início dos anos 90, eu sonhava com isso”.

 
 Zé Mauro ganhou saúde, emagreceu e tem sido cada vez mais feliz com a bicicleta
 

Em maio de 2019, ele fez sua primeira cicloviagem, o Circuito do Vale Europeu – pedal que dura sete dias e passa por nove cidades em Santa Catarina. Em junho, Zé Mauro fez uma romaria de 180 km em dois dias para Aparecida do Norte com sua Barra Circular, e logo depois aceitou o convite para participar da ultramaratona Caminhos de Rosa, no sertão de Minas Gerais, que percorre 160 km que foram parte da jornada do escritor João Guimarães Rosa em 1952, para escrever “Grande Sertão: Veredas” e “A Boiada”. Nessa maratona, ele participou em uma categoria onde só é possível pedalar com bicicletas modelo Barra Forte e Barra Circular, sem suspensão e sem câmbio, o “Desafio do Ciclista Raiz”.

 
 No Circuito do Vale Europeu, em Santa Catarina
 
 No Caminhos de Rosa, em Minas Gerais
 

Essas experiências foram fortalecendo Zé Mauro e o preparando para a aventura que almejava: fazer o Caminho de Santiago de Compostela pedalando. “Também sonhava com essa viagem porque sempre tive vontade de conhecer a Espanha, terra de meus avós paternos. Tenho cidadania espanhola por conta disso”.

 

Ele escolheu a sua bicicleta Barra Forte de 1979, chamada Raiza (sem câmbio, sem suspensão e com freios modestos) para essa aventura e partiu. “Muitas pessoas me perguntam até hoje por que fui de Barra Forte, e uma de minhas respostas é: por que não??? Sou um cara nostálgico, que gosta muito dos anos 70 e 80, anos de minha juventude. E também sempre curti desafios que me tiram da zona de conforto. Gosto das provas de mountain bike em que o protagonista é o atleta, e não a bicicleta. Onde o mais importante é SER preparado e não TER o melhor equipamento. Tudo isso me motivou a viajar para Espanha com essa antiga Barra Forte, que achei pela internet. Seria até um jeito de incentivar pessoas que dizem não pedalar porque não têm uma bicicleta nova”.

 

A viagem, segundo Zé Mauro, foi inesquecível. Até hoje, quando ele relembra alguns momentos, acaba se emocionando. Muitos dias de chuva, barro, frio, vento, subidas e cansaço. E também de alegrias, muitas. “De verdade, acho que todo mundo deveria fazer o Caminho, seja de bicicleta ou a pé, é uma experiência única, de autoconhecimento. É um caminho místico, passa muita coisa por sua cabeça durante a viagem. Pernoitei em albergues de peregrinos, tive contato com pessoas idosas e adolescentes, fiz vários amigos, conheci brasileiros e até um alemão que havia morado em São Paulo e conhecido Guararema! Gente do mundo inteiro, até do Cazaquistão. Tem o lado cultural também, a peregrinação iniciou no ano de 840. Você passa por castelos, igrejas e paisagens incríveis. Vale muito a pena”.

 
 Em Guararema, com amigos que participam do pedal que ele organiza
 

Existem vários caminhos para Santiago de Compostela, e Zé Mauro optou por fazer o Caminho do Norte, que sai de Irum, na Espanha, divisa com a França, e vai pelo litoral norte espanhol. Pedalou 930 km em 12 dias. Se hospedou em albergues religiosos, municipais, particulares e também em hotéis. “Alguns albergues religiosos não cobram nada, você dá uma doação. Entre hospedagem e refeição, a média de gasto diária era de 15 a 20 euros. Já em um hotel o gasto era no mínimo de 40 euros”.

 

“Quando você chega em Santiago, você ri, grita, chora, observa a reação dos outros peregrinos, passa um filme na sua cabeça, depois senta-se no chão e fica horas olhando para a catedral. É um capítulo inesquecível da sua vida!”, diz Zé Mauro, chorando ao lembrar dessa emoção.

 

Ele conta que, nos primeiros dias de volta ao Brasil, não conseguia conversar sobre o caminho sem se emocionar, principalmente com quem já havia feito a jornada. “Em uma situação, encontrei no supermercado um amigo que já havia feito, nos abraçamos, choramos e fomos embora sem dizermos uma palavra, a garganta estava travada”.

 
 Na fronteira com a França, com sua Raiza
 

Para ele, o sentimento que fica é a vontade de fazer de novo a cicloviagem, seja a mesma ou outra, pois cada vez será diferente. “Muitas vezes iniciamos um projeto e não sabemos como será o resultado, mas com dedicação, perseverança e foco atingimos o objetivo, isso é muito recompensador. E quando você faz com amor, entusiasmo, não há sacrifício ou sofrimento, é só prazer. Mesmo que outros não acreditem em você ou no seu projeto, só você sabe a força que tem, o quanto quer que dê certo. Então coloque isso na sua cabeça e siga em frente, faça o SEU caminho!”.

 

Hoje ele incentiva cada vez mais pessoas a pedalar, promove passeios de mountain bike por Guararema, e também gosta de visitar, com sua bicicleta Tandem, de dois lugares, escolas de crianças especiais, levando-as para passear. Faz oficinas para ensinar os participantes dos pedais que organiza a trocar pneus e está criando uma campanha para orientar as pessoas sobre as leis de trânsito e a empatia com ciclistas e pedestres.

 

“Gosto tanto de bikes que hoje tenho dez”, ele conta. Ninguém duvida de sua paixão, e a gente agradece e torce para que ela seja cada vez maior e contagie mais gente!

 
 O certificado de sua maratona dos sonhos
 

 

 

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