DIÁLOGO MULHERES EM MOVIMENTO
No dia 20 de março, embarquei numa experiência incrível proporcionada pela participação da Bike Anjo no programa Mulheres em Movimento do Fundo Elas+. O Fundo Elas+ é um fundo independente dedicado às mulheres brasileiras que existe desde 2000. Com diversos programas, a instituição investe verba em projetos, organizações, grupos e comunidades liderados por mulheres.
Para começo de conversa, acho legal comentar que os projetos selecionados para o programa se inscrevem por meio de um edital que já é diferenciado. Nele, o objetivo parece ser facilitar o processo para que grupos não formalizados – muitas vezes, os que mais necessitam de investimentos – possam ser contemplados. E isso realmente acontece: mais de 200 projetos receberam aporte de R$50.000 para realizar suas ações, que podem ser pontuais e/ou que podem garantir o fortalecimento institucional e das suas lideranças. Outra questão que me chamou atenção é a forma como a organização do programa busca garantir um acompanhamento das atividades que serão realizadas. Não me parece ser uma busca por “prestação de contas”, mas sim pela criação de uma relação de confiança entre as partes, que passa pelo conhecimento das demandas e entregas de cada grupo, pela liberdade nas ações e pelo real intuito de colaborar com a construção de uma sociedade mais justa, democrática e sustentável.
Parte desse acompanhamento, então, foi o encontro Diálogo Mulheres em Movimento. Uma representante de cada coletivo foi hospedada na Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, onde passaria quatro dias imersa no ambiente com maior diversidade em que eu já estive. Os dias começavam com um bom café da manhã e logo continuavam em uma grande sala de eventos preenchida de mesas redondas, onde sentávamos para escutar e debater sobre temáticas urgentes para a vida das mulheres. Tudo parecia ser pensado para fazer com que todo mundo se sentisse à vontade para compartilhar suas vivências e crenças. Toda fala iniciava com “bom dia a todas, todes e todos”, muitas seguiam saudando seus guias e orixás, enquanto outras finalizavam com um “obrigada” nas suas línguas mães indígenas.
Os primeiros dois dias de evento foram dedicados ao debate de problemas da nossa sociedade, como violência baseada em gênero, exploração e invisibilização do trabalho, mudanças climáticas e desafios dos ativismos LGBTQIAP+. O terceiro dia foi centrado em pensarmos coletivamente sobre oportunidades de ativismo dentro de temas como justiça econômica, lutas antirracistas e reconstrução das esfera de direitos. Também neste dia, várias instituições e fundos se apresentaram, contando sobre seus trabalhos para viabilizar os ativismos de mulheres e pessoas trans. Para fechar, o último dia de encontro deu conta de entender quais alianças foram geradas entre as pessoas participantes do encontro e quais ainda poderiam ser geradas.
Todas as pessoas que participaram do encontro tiveram a oportunidade de falar para o grande grupo e isso fez com que realidades muito diferentes fossem conhecidas. Mulheres profissionais do sexo, pessoas intersexuais, cacicas de aldeias indígenas de todas as regiões do Brasil, representantes quilombolas, mulheres com deficiência, travestis, mulheres e homens transsexuais, mulheres que foram privadas de liberdade, mulheres idosas com ampla experiência no ativismo feminista, enfim, uma riqueza maravilhosa de saberes convivendo com dores profundas causadas pelas injustiças que o patriarcado e os padrões hegemônicos nos impõem.
No âmbito pessoal, estar presente no Diálogo Mulheres em Movimento foi uma oportunidade que eu dificilmente pensaria em viver. As pautas levantadas são, na sua maioria, de conhecimento geral, mas existe uma distância muito grande entre saber dos desafios do Brasil e reconhecer essas problemáticas nos rostos e corpos de companheiras que buscam viver e sobreviver já como forma de resistência, já como a própria prova de que é possível constituir outras maneiras de ser sociedade.
Como Bike Anjo, as reflexões foram constantes. A provocação mais latente que permanece em mim diz respeito a quais estratégias devemos seguir para propor ações que contribuam para trazer mudanças reais na vida de mulheres e pessoas não-binárias que constituem os grupos mais marginalizados e vulnerabilizados pelo sistema vigente. Como garantir o direito à cidade por meio do nosso trabalho? Como dignificar existências a partir da democratização da mobilidade urbana? Como assegurar o direito ao trabalho, ao lazer, à disputa política e à própria construção social dos nossos territórios? Como dar suporte para iniciativas que busquem um desenvolvimento sustentável das cidades, que busquem avanços sociais e respeitem os limites ecológicos do nosso planeta?
Neste momento, a verba aportada pelo Fundo Elas+ para a Bike Anjo está sendo usada para a realização de dois projetos que participaram do 6º Fundo Local Bike Anjo. Um deles é o Bikebrada (SP), cujo objetivo é compartilhar o conhecimento e expertise das Bike Anjas de SP por meio de oficinas, engajando e proporcionando a autonomia a mulheres do território de São Mateus que fazem parte do Movimento de Defesa das Favelas (MDF). O segundo projeto é o Pelo Direito de Pedalar! (SL), que pretende promover a cultura da bicicleta e difundir o direito de pedalar como meio de transporte, lazer e prática esportiva junto à comunidade universitária, com foco em mulheres e pessoas de gêneros dissidentes, da Universidade Federal do Maranhão, localizada na área do Itaqui-Bacanga.
E você, anja, anje, anjo? O que acha que pode ser feito para que a nossa organização contribua para um caminho solidário, não-violento, sustentável e democrático de Brasil?
Texto: Fernanda Viuniski Verdi
Gestora de projetos Bike Anjo